Soaroir Maria de Campos –5/7/06
(reedição)
TIME QUE ESTÁ PERDENDO NÃO GANHA
Essa coisa de dormir cedo só serve mesmo é para acordar cedo. Bem faz a turma chegada às “raves” que começa quando as outras turmas terminam. No entanto, há o lado telúrico a ser apreciado pelos que olham para cima logo ao amanhecer. Depois de agradecer aos senhores do Universo por mais um, ou menos um dia, de acordo com a expectativa individual, vê-se derramando o silêncio que aos ouvidos diurnos não chegam; surpreendentemente ainda há um cheiro de Mata Atlântica em plena metrópole e, como um gato que acorda, se espreguiça e boceja, automaticamente o olhar ascende quando é então cumprimentado pelo céu desprevenido, nu de poluição e preconceitos.
Revi minhas manhãs em Elgin, Escócia; algumas imagens mais e me encontrei com a lua matinal de Little Wenlock, com seus enormes pombos silvestres e os saltitantes corvos ciscando ao amanhecer no jardim, à procura dos tubérculos brotantes na primavera. Volto então à varanda do décimo segundo andar no inverno desta minha cidade. À minha esquerda brilha tanto uma luz no céu que chego a confundi-la com uma sinalização característica dos edifícios gigantes. Firmo a vista e a identifico como um astro ou um planeta. Minha deformada visão, especialmente quanto a astronomia, me conduz a arriscar que possa vir de Vênus aquele intenso brilho. Não importa quem quer que esteja lá reluzindo tal beleza no horário em que os anjos vêm visitar os seus protegidos, lindo é pouco – é legítimo, é “Coromínio”.
Como não só de brilho se vive, observei que embora o relógio não faça mais tique-taque, ele continua nos avisando que o tempo não espera, nem mesmo pelos que acordam muito cedo. Enquanto aguardava pelo horário “comercial” providenciei alguns obrigatórios e/ou necessários triviais como tomar banho, ir à padaria, “walk the dog”, tomar café, escovar os dentes e juntar as contas vencíveis do dia, além de organizar as idéias de forma a não me desencantar com “nãos”, tampouco com “ainda não saiu a resposta”.
Depois de contemplar um amanhecer e programado o resto do dia, confiante, e até certo ponto orgulhosa de minha vitalidade para não desistir diante das intempéries da vida, saí em busca de soluções que não caem do céu.
Enquanto me dirigia para a saída da estação Ana Rosa me deparei com uma velha senhora de aproximadamente 1,50m parada ao pé da escada, como se pensasse como subir os degraus puxando seu carrinho contendo uma caixa de isopor típica em que os vendedores ambulantes armazenam vitualhas. Sem diminuir minhas passadas, ofereci ajuda e imediatamente agarrei a base inferior do carrinho para juntas subirmos os vinte e um degraus. Percebi que a senhora mastigara algumas palavras e, eu indo um degrau à frente dela, subimos. Com o mesmo efeito de transmissão à distância, só ao arriar o carrinho, já no topo, foi que entendi o que me foi dito quando ofereci ajuda lá embaixo: - “A senhora também não tá podendo”. Virei-me à direita e tropecei, força de expressão, numa placa que dizia “testa na hora”. Enquanto andava comecei a juntar as duas frases – a mastigada àquela da barraquinha ambulante. Conclui que realmente, “nem tudo que reluz é ouro”, tampouco somos enxergados como nos vemos, ou nem todo velho merece ajuda, além de outros pensamentos menos honestados.
Não perdi o ânimo e finalmente cheguei ao meu segundo destino do dia. Era uma belezura o prédio, atendimento rápido e eficiente, clientes chiques circulando na sala de espera de esmerada decoração. Regozijante saí do local com hora marcada para às 17:00h para atendimento ao meu caso em caráter de emergência.
Não foi ímproba a forma como consegui hora para aquele mesmo dia. Realmente o problema demandava urgência, porém no fundo havia um quê de malícia, intenção de burlar o regulamento a fim de acelerar um diagnóstico para a minha dor que se espalhava até a região do trapézio. Mais especificamente pretendia conseguir ser contemplada com um tratamento dentário de custo accessível à minha burra vazia e por profissionais tão bem qualificados como aqueles do SESC.
E o tempo passou. Desanimada, mais tarde, saía eu da consulta com um pedido de RX panorâmico, e a instrução para telefonar em Setembro a fim de saber quando as inscrições para o sorteio de vagas, para um tratamento dentário por lá, serão abertas.
Voltarei então à minha varanda, agora para pedir à minha estrela de Julho, vista no céu daqui mesmo do Brasil, que apazigúe esta minha dor até quando, e se, eu ganhar uma vaga para retornar ao dentista.
Soaroir Maria de Campos –5/7/06
domingo, maio 03, 2015
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