Vida Longa às Calçadas
© Soaroir de Campos
I INTRODUÇÃO
"Viver quer dizer ser cruel e implacável contra tudo o que em nós se torna fraco e velho".
Pensamento atribuído
a Friedrich Nietzsche. Não sendo contra sinônimo de com, fica minha dúvida se é de defesa ou acusação seu pensamento quanto
a ser velho e fraco. Mas, segundo esse mesmo filósofo, (que aliás ontem, 25/8
foi aniversário de sua morte em 1900) não há fatos, mas sim interpretações.
Nesse sentido, a verdade em relação ao abandono do idoso, de acordo com minha visão e de dentro da sociedade em que vivo, pode depender da perspectiva (perspectivismo) que utilizarmos para interpretá-lo.
O que alavanca a vida é a vontade, o poder e a fé em um Deus que elegemos e que pode ser atitudes e até mesmo expectativas em algo ou em alguém. No entanto, como os fatos não são eternos tampouco as verdades, na velhice tudo desaba com a dos deuses que elegemos. “Morte de Deus”
Não há argumentos contra o fato de que ao envelhecer os animais se tornam fracos e incapazes de exercer suas habituais tarefas, a diferença é que só os humanos têm consciência disso, embora não se preparem psicologicamente para isso. Acreditam que ao largar a pesada carroça e parar de comer o embolorado feno, partirão desprovidos das ferraduras para um haras com verdes pastos e muita água fresca.
Bons tempos
aqueles em que os velhos eram os sabidos...Os conselheiros e os exemplos,
origem de nossos dicionários. Mas isso não interessa mais, agora temos Wikipédia, Google e Facebook que, contrariando Nietzsche, comprovam que fatos são eternos.
Um deles é que velho é velho e o mundo ficou pequeno, sem espaço para o que é
obsoleto. Nem e-bay ou OLX aceitam publicar (procura-se uma família. Em troca de um cigarro de palha e uma dose de
pinga, conto histórias de ninar – carrego algum feno se precisar – não muito
pesado – no mais o que eu ainda aguentar – por favor sem ferraduras, pois estou
cansado da vida me “trolar” des do berço no primeiro abandonar).
Certamente o
primeiro abandono vem do berço e do desmame , depois o da escola quando não se
passa de ano mesmo com todo o empenho, quando da necessidade de abandonar os
estudos; do trabalho quando sem aviso prévio se perde o emprego para alguém
mais bem preparado e principalmente mais jovem; consequentemente sem fundos nem
reservas não se atualiza, não há verba para se vestir adequadamente, para o dentista,
o perfume, atender aos aniversários e casamentos ou dividir um jantar com
amigos que depois de três negativas não convidam mais. Some a tudo isso os divórcios, inclusive dos
filhos que crescem. Como último e único recurso apela-se para a aposentadoria e
é ai que a coisa “fede” de vez. Dá para enxergar o implantado aplicativo luminoso chamado rejeição? Mas pensemos um pouco... Alguém soube de algum
endinheirado que tenha sido abandonado na velhice? Eu não. A não ser aqueles que
têm afetadas as faculdades mentais e outorga procuração “de plenos poderes” sem
prazo de validade. Estes ricos são os únicos que morrem nos haras de verdes
pastos e águas frescas porque têm um “nome” a zelar. Para os demais pouco sobra
a não ser virar um cágado e assumir que não têm lar.
Não é de mão
beijada que a entrega se dá. Primeira reação é não se dar crédito a rejeição: - “vai passar, vai passar”, depois racionalizá-la:
- “onde foi que eu errei” e se encher de culpa; em seguida duvidar: - “devo
estar ficando louco. Pura imaginação minha”.
E finalmente a aceitação, acolhimento e introspecção que cada um pode
ter consigo mesmo, antes do inevitável autoabandono.
Se contra
fatos não existem argumentos , só resta aceitar a rejeição e por último culpar
alguém, pois o fardo é muito pesado para ser carregado sozinho. Primeiro
culpa-se a si mesmo, depois a sorte, a família e por último o Estado.
II CONCLUSÃO
- Amadureci,
e agora? Crescimento psíquico...Quando a vida cobra o lado adulto chega-se ao vazio
que na maioria das vezes é defendido com mecanismos de compulsões para saciar o
buraco emocional.
Julgado e
condenado sem direito a defesa, rechaçado e rotulado só lhe resta o autoexílio
- terras onde não importam mais arremedos
de diplomacia e as falsas boas maneiras.
Os abastados
podem mastigar de boca aberta, fazer barulho tomando sopa, arrotar à mesa,
limpar a boca com a manga da camisa, mas se o velho fizer isso ... “demência”
logo gritam; perdeu o equilíbrio? É um “alcoólatra”.
Família é um
pé no saco. Então, vida longa às calçadas que os recebem de ruas abertas onde o
único incômodo é ouvir de um discípulo da hipocrisia eventual “Coitadinho!”. Ou ONGs justificando serviço.