A arte da poda
IZABEL TELLES (outubro 2010)
(sic) Costumo aconselhar alguns pacientes a plantar uma árvore para representar nela e com ela a sua família.
Sugiro que escolham uma árvore frutífera, de preferência uma laranjeira.
Conto por que. Na Índia a laranjeira significa o encontro de duas metades perfeitas em seus frutos e a extensão e grandeza da árvore sugerem a família e seus relacionamentos. Algumas mulheres usam flores de laranjeira presas ao seu véu de casamento.
Bem, voltando ao plantio da árvore — que pode ser qualquer uma, desde que o paciente tenha pela espécie admiração, respeito e amor ao seu significado — peço que seja cavado um buraco bem profundo. No fundo do profundo devemos colocar frases de amor e gratidão aos nossos antepassados. De todos os lados — materno e paterno.
Sobre os nomes e frases recomendo que as crianças joguem algumas flores, fotos, pedaços de tecidos, alguns pequeninos objetos simbólicos (por exemplo, se a vovó foi costureira, jogar o dedal que ela usava) que tenham alguma ligação com aquelas pessoas .
Depois disso, a árvore pode ser colocada na cova.
A terra vai sendo jogada aos bocados com respeito e alegria até que ela fique bem presa ao solo.
Todos os membros da família podem cuidar da árvore. Regar, adubar, afofar a terra ao redor da cova e especialmente arrancar as ervas daninhas.
Mas o ritual mais importante que devemos fazer é o ritual da poda.
Quando o inverno chega, especialmente aquele que cobre nossos corações como a perda de um ente querido da família, ou uma separação, ou mesmo um momento em que precisamos partir e deixar um ciclo para trás até podermos voltar fortificados, renovados, dispostos a brotar novamente naquela árvore; é então hora de pegarmos uma tesoura, pacientemente passarmos graxa na sua mola, afiarmos seu corpo e num nascer do sol iniciarmos a poda.
Esta poda não tem de ser tecnicamente correta. Não é preciso. É uma poda feita com uma intenção e com a intuição.
Pensamos muito no que queremos eliminar daquele sistema familiar, ou do jugo de quem queremos sair, ou que elo queremos desmanchar, ou que comportamento queremos perdoar ou libertar definitivamente do clã. E assim por diante.
Fechamos os olhos e pedimos licença à árvore que está à nossa frente, explicando nossa intenção a ela.
Pés firmes no chão, tesoura nas mãos, vamos iniciando a poda repetindo mentalmente e firmando nas mãos a intenção daquilo que queremos eliminar. Deixamos os sentimentos aflorar. Raiva, medo, ódio, tristeza, abandono, saudade, alegria… seja o que for. Deixa vir tudo e vamos cortando, ouvindo o canto da tesoura.
Feita a poda, recolhemos os galhos podados e queimamos numa fogueira.
Passamos um rastelo no chão ao redor da árvore, afofamos a terra, abraçamos , honramos e agradecemos a árvore, regamos e só voltamos a vê-la dali a mais ou menos três meses.
O que vamos encontrar?
Muitos galhinhos novos saindo daqueles que podamos. Galhos verdejantes, ainda frágeis buscando novas direções, espiando uma brecha em busca do sol. Podemos encontrar uma nova floração que até parece uma antena parabólica buscando novos sinais!
Se a motivação que impulsionou a primeira poda permanecer, podemos cortar alguns dos galhinhos ou todos os brotinhos novamente. Lembre-se, não é uma poda técnica. É uma poda catarse. Ressignificando a intenção, reforçando o pedido.
Eu tenho uma linda laranjeira plantada no pomar do sítio de uma amiga.
Como não estou no Brasil neste momento, e se alguma emergência surge, ligo para ela e peço que faça a poda por mim. Amorosa como ela só, repete minha intenção de poda para ter certeza se entendeu bem meu pedido.
Entendeu sim, querida amiga. Você sempre entende porque conhece o poder de podar as laranjeiras!
Izabel Telles é Terapeuta Holística, formada pelo The American Institute for Mental Imagery de Nova Iorque (USA).Dedica toda a sua energia a pesquisar e dar sentido as imagens que a mente constrói como uma forma de expressar nossos pensamentos, sentimentos e emoções.